O debate cultural, a valorização e a preservação das manifestações locais estiveram em foco na 1ª Mostra EntreArtes, realizada na última quinta-feira (29), das 9h às 17h, no complexo do Senac, no Recife. O evento marcou a conclusão do curso de Agente Cultural ofertado pela Unidade de Educação Profissional do Recife (UEP Recife) e os alunos fizeram a concepção e toda a produção. A mostra reuniu alunos, produtores culturais e o público em geral, atraindo 180 pessoas.
A abertura foi feita com o curta O Mundo é uma Cabeça, dos diretores Cláudio Barroso e Bidu Queiroz. O vídeo fala sobre Chico Science, a Nação Zumbi e o movimento Mangue Beat e traz depoimentos de artistas que marcaram a cena musical pernambucana da década de 90, como Otto, Fred 04, Siba e Ortinho, além de ter Gilberto Gil como entrevistado.
Depois, Giu Poetisa fez uma intervenção poética mostrando alguns de seus trabalhos. Etnia, raça, preconceito, feminismo, machismo e respeito às diferenças foram os temas abordados em versos como: “ A menina preta leva pedrada na rua, A branca pode estar na lua, Negro não é santo, mas por que quando é branco ninguém abre inquérito?”
Logo em seguida, o ciclo de palestras Cultura Popular: Sua História e Resistência teve início com o debate sobre o frevo, com a participação do maestro Ademir Araújo, também conhecido como mestre Formiga, do músico Claudionor Germano e do economista e compositor Severino Araújo. Os participantes falaram sobre a história e a importância dele para a cultura. “O frevo está acima de tudo porque é a música que representa a nossa região”, disse Claudionor sobre a predominância do ritmo, principalmente, no Carnaval.
A conversa não se restringiu ao período de momo. Ademir, por exemplo, falou sobre a extinção e a resistência de agremiações e da falta de políticas públicas voltadas para a cultura popular. “Eu não sou separatista. Eu acho que todo ritmo é bem-vindo. O que incomoda é a infraestrutura e supervalorização dada a outras atrações”, destacou Ademir. “Mas é preciso que os jovens saibam a importância da resistência e da luta e cobrem um espaço de divulgação”.
RECONHECIMENTO
Além do frevo, outra manifestação cultural também sofre com a pouca visibilidade: o afoxé. Foi sobre isso que o mestre Fabiano Silva, do Alafin Oyó, e o pedagogo e educador Chiquinho de Assis, debateram. Para Fabiano, o afoxé não é muito diferente do frevo. “Somos cultura popular e os dois têm origem na parcela mais marginalizada da sociedade”, disse. Ele ainda reforçou o papel social: “é um instrumento de luta e combate contra toda e qualquer forma de mazela humana, como o preconceito”.
Chiquinho, que também trabalha com comunidades quilombolas e ciganas, complementa: “o afoxé não é só Carnaval, é um comportamento, uma identidade”. Ainda segundo ele, muitas pessoas desconhecem sua história, por isso, a importância de valorizar, preservar e promover essas manifestações. “A gente vive de um passado fabricado simbolicamente (fazendo referência aos africanos escravizados no Brasil). Isso acaba com a identidade e o direito de ser quem a gente quer”, ressaltou.
A plateia também entrou na conversa. Leonardo Arruda, professor de História que trabalha no Arquivo Público de Pernambuco, interagiu: “não há um incentivo para que as pessoas conheçam essas manifestações. Não há registro. É preciso afirmação e confirmação da identidade”.
VALORIZAÇÃO
À tarde, durante a segunda rodada de palestras sobre Cultura Popular: Sua História e Resistência, os mestres Ferreira e Zeca do Rolete falaram sobre coco de roda e ciranda, respectivamente. Para Ferreira, a cultura não muda, mas sim como as pessoas enxergam e a reconhecem. “Ela está do mesmo jeito. Se a gente não continuar lutando, vai acabar”. Referência na ciranda, ele também é defensor de outras do cavalo marinho. “É o teatro popular de verdade. Essas culturas estão esquecidas“, afirma.
DIVERSIDADE
A 1ª Mostra EntreArtes contou ainda com as intervenções poéticas com textos autorais de José Carlos Bastos e Joy Thamires. Já as peças teatrais Phudê, Figurinos e Poesias e Os Sobreviventes apresentaram temáticas do cotidiano.
Durante todo o dia, o público conferiu feira com artesanato e a exposição de fotografias Faces Distintas, com imagens de pessoas comuns que trabalham ou circulam por pontos do Recife e de Olinda, como o Mercado de São José e o Alto da Sé.
Para encerrar o dia, o grupo Udigrudi tocou músicas do forró tradicional e animou o público presente no hall da Lanchonete-Escola.
ORGANIZAÇÃO
Ao final, a avaliação da mostra não poderia ser diferente. “A realização deste evento, principalmente das palestras, traz a responsabilidade do Agente Cultural para com a cultura popular e ver um jovem interessado na opinião do maestro Ademir Araújo sobre a massificação do ritmo musical sertanejo e, praticamente, o esquecimento do frevo foi renovador. Além de trazer a arte para a instituição, com música, teatro, intervenções poéticas, artesanato e exposição fotográfica”, disse o instrutor do curso de Agente Cultural, Danilo Lúcio.
Fernando Araújo e Junia Vanderlei foram alunos da turma concluinte e participaram da organização e concepção do evento. Para Fernando, o evento “foi de extrema importância para a instituição. Trouxe grandes nomes”, disse.
Junia, que trabalha na Secretaria de Cultura da Prefeitura de Olinda, achou bastante positivo porque “trouxe um olhar novo para a cultura da região, principalmente, para as manifestações que precisam de resgate e guarda da sua história”. Sobre o curso, ela avaliou: “oferece uma nova perspectiva para quem trabalha na área e precisa entender e participar de editais, ter uma visão diferente da economia criativa do município”.
Além dos alunos de Agente Cultural, estudantes do curso de Fotógrafo e do técnico de Rádio e TV da UEP Recife também estiveram envolvidos nos bastidores. Eles fizeram a cobertura fotográfica e em vídeo.